sexta-feira, 31 de maio de 2013

É real

"Do you live, do you die, do you bleed for the fantasy?"

Borboletas.
Borboletas por todo o corpo.
É a única coisa que consegue sentir neste momento.
A garganta está seca, as mãos trémulas, o coração prestes a explodir.
Fecha os olhos.
É este o dia porque esperou toda a vida, o dia com que sonha desde menina.
Respira fundo.
É isto que quer, é isto que deseja.
Nunca na vida teve tanta certeza de algo.
As borboletas acalmam.
Abre os olhos e vê-se ao espelho uma última vez, antes de a sua vida mudar.
Nos pés, os sapatos altos, brancos, com pequenos brilhos, tornam-a mais alta e dão-lhe uma elegância que ela já possui.
No corpo, o vestido branco cai-lhe na perfeição. O corpete justo, adornado com delicados laços e flores brancas tão leves como penas, moldam-lhe a silhueta, deixando os seus ombros nus. A volumosa saia de tule branco com leves dobras, cai até aos pés escondendo os sapatos imaculados. O vestido torna-a na autêntica princesa que é.
Os cabelos loiros, sempre rebeldes, estão apanhados de forma perfeita no alto, deixando alguns caracóis mais selvagens escaparem e emoldurarem-lhe a face de menina.
O rosto jovial está maquilhado sem qualquer exagero. A sua beleza é natural e genuína. Destacam-se os seus lábios vermelhos, carnudos, ansiosos por um beijo.
Finalmente, o véu de um branco translúcido que lhe cai delicadamente do cabelo preso até ao fundo das costas, num movimento leve.
Está divinal. Um sonho. A noiva perfeita.
Abre as portas do quarto e vê os seus pais. Olham para ela com lágrimas nos olhos e um sorriso maior do que o mundo. A sua menina é agora uma mulher, dona de si e do seu futuro.
Entram no carro em direção à mudança e a um novo rumo.
No alto de uma falésia banhada pelas ondas do mar, com vista para o horizonte longínquo, está a capela branca onde o destino a espera.
Sai do carro e olha para a entrada da capela decorada com flores coloridas, cujo aroma é acentuado pelo calor do início do Verão.
Olha para trás, para o horizonte perdido entre o céu e o mar.
Hoje é o dia mais bonito da sua vida.
Inspira o ar com cheiro de mar e flores.
Não tem dúvidas.
Dá o braço ao seu pai e avança pela porta da capela.
Quando entra, uma melodia doce começa a tocar e todos se levantam para olhar para ela.
Borboletas.
Ainda não se atreveu a olhar em frente.
Está parada lado a lado com o seu pai, na entrada.
Borboletas.
Olha em frente e vê-o.
De fato preto, camisa branca, um pequeno laço amarelo ao pescoço, uma flor na lapela, o cabelo impecável e sapatilhas amarelas.
Ele sempre disse que as iria usar no dia do seu casamento mas ela nunca o levou a sério. Até agora.
Levanta o olhar até à cara dele e o seu mundo pára.
Ele está com o sorriso mais perfeito que ela alguma vez viu e o olhar mais apaixonado que ela já sentiu. 
Está encantado.
Decidida, avança pela capela.
Já não sente borboletas.
Só o vê a ele. E ele a ela.
Frente a frente com ele, ela sente que tem à sua frente o seu mundo, o seu futuro, a sua vida.
É o homem da sua vida.
Quer fugir com ele na Vespa vermelha que os espera lá fora para irem até ao copo-de-água.
Olha para baixo, para as velhas sapatilhas amarelas dele e ri.
Volta a subir o olhar até encontrar o dele. Ele ri. E ela pensa "Amo-o tanto".
Mas tem de encarar a realidade.
E na rua, sentada em frente à capela, a olhar para o horizonte marítimo, ela está sozinha.
Não é a noiva que imagina nas suas fantasias.
Não sente borboletas por todo o corpo.
Não é o dia mais feliz da vida dela.
Não é a mulher da vida dele.
Mas ele ainda é o homem da vida dela.
O sonho dela acabou entregue nas mãos de outra pessoa.
Quis acreditar que ainda era possível, que o sonho não acabou quando ele lhe disse que estava apaixonado por outra mulher.
Juntos tinham superado o impossível mas, agora surgiu entre eles um obstáculo maior: o despertar de uma nova paixão.
Então para onde foi todo o amor que ambos sentiram tão intensamente?
Nunca existiu?
Será que, na verdade, o amor não passa de uma fantasia, uma mera ilusão, criada pelas pessoas?
Ela não quer acreditar mais no amor.
Mas acredita. Estupidamente, infantilmente, ingenuamente, ela acredita.
E é por acreditar que o sonho não acaba ali, que decide saltar o pequeno muro que separa o chão seguro do piso irregular da falésia.
Passo a passo aproxima-se da beira do precipício.
Recorda todos os momentos daquele amor, daquele sonho que outrora foi real.
Pára. Mais um passo e é livre.
Ouve as ondas rebentarem em fúria contra a rocha. Sente os cabelos ondularem ao vento. Olha para o horizonte.
Pensa no abraço dele e no quanto precisa de o sentir.
Pensa no seu olhar ternurento e quanto amor se encontrava nele.
Pensa nas velhas sapatilhas amarelas que ela tanto dizia detestar mas que adorava.
Pensa nos lábios dele e nos seus beijos de açúcar.
Dá um passo em frente.
E fica livre, levando consigo apenas um último pensamento sobre o amor.
"É real".


1 comentário :

  1. Venho aqui deixar o meu comentário sobre o que foi escrito, para mim está maravilhoso, a sério não tenho palavras, é um texto bastante lindo,ternurento e muito bem elaborado. Continua, acredita, és GRANDE ;) Beijinhos

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