quarta-feira, 1 de março de 2023

Regresso a casa

 It'll all be alright, I'll be home tonight. I'm coming back home


Perco-me em cada ruela, à tua procura.
Palmilho a cidade em busca de um vislumbre teu, de um sinal do teu paradeiro.
A noite cai, os gatos miam, o sol desperta, os gatos dormem. E eu continuo a minha demanda.
Alcanço miradouros de vistas infinitas e nem uma sombra da tua presença.
Escadarias de degraus incontáveis não me levam ao teu abraço.
E nem na triste melodia do fado ouço a tua voz chamar por mim.
Corro com todas as forças que tenho, movida pela ânsia de te ver.
E volto a perder-me no labirinto citadino. Afasto-me de onde não te encontro.
Desço às profundezas procurando uma luz no escuro. O ar foge-me dos pulmões como tu de mim. Respiro.
Embarco numa viagem, desafiando ondas que me tentam engolir. Navego à deriva, na esperança de que sejas o meu farol.
Perco a cabeça e rogo desejos. Às estrelas guia da noite, aos misteriosos deuses da aurora.
Ouço vozes no vento que me gritam “perdida por cem, perdida por mil”.  Mal elas sabem que estou perdida apenas por um.
Atraco numa ilha mais deserta que eu.
Nas areias procuro pelo tempo que falta para te encontrar. Devolvem-me dunas intemporais que tenho de atravessar.
Aos búzios murmuro as minhas juras de amor, esperando que as levem até ti. Riem-se de mim, mergulhando nas praias salgadas.
Subo à mais alta montanha e preparo-me para gritar. O teu nome. Uma e outra vez.
O eco repete-o até à exaustão, mas nunca me traz a resposta que anseio.
Consigo ver o mundo, apenas não aquele que procuro.
O desespero começa a torcer-me as entranhas. As lágrimas que caem dos meus olhos carpem mil histórias de amor.
Porque não te encontro em parte alguma? Onde estás?
Caio numa espiral vertiginosa que me aperta o coração.
Regresso a casa. De coração a esfumar-se, corpo arrastado e alma a vaguear.
“Por onde andaste? Tenho estado aqui à tua espera”.
Esse sorriso é o íman que me atrai para o aconchego do teu abraço.
Que tonta sou, ao deixar-me levar pela ilusão da saudade.
Sempre que estou longe procuro-te em qualquer parte, mas basta-me regressar e estás sempre aqui.
Em casa. Tu és a minha casa.

Publicado originalmente na edição de fevereiro de 2023 do Jornal de Cá



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