sábado, 11 de novembro de 2017

Tortura

Parte I - DOR

2 Horas da manhã.
Desligas a televisão a meio de um filme de cores desbotadas.
O cansaço de uma semana inteira de trabalho faz-se sentir no sono que pesa nos teus olhos.
Diriges-te para o quarto em direção a mais uma noite solitária.
Deitas-te na tua cama de lençóis gelados pela falta de calor humano. Muitas noites a dormir no sofá, muitas noites a dormir sozinho.
Adormeces com um último pensamento “sozinho…será que alguém se lembra que existo?”
Quando já tiveres caído num sono profundo, vou entrar em tua casa.
Primeiro, silenciosamente. Depois…ruídos.
Despertas subitamente.
Silêncio.
Preparas-te para voltar a adormecer quando ouves um ruído. Algo a ranger.
Ouves vários ruídos estranhos pela casa.
Sentas-te na cama.
Ficas à escuta para ver de onde vêm os ruídos mas, de cada vez que achas que descobres, eles mudam de direção.
Começas a sentir uma brisa quase tão gelada como os lençóis e, de repente, silêncio.
Aguardas no escuro do quarto. Pensas em acender uma luz mas sentes-te paralisado.
O silêncio mantém-se e pensas que está tudo bem.
Fechas os olhos e expiras o ar que sustinhas nos pulmões, quando sentes uma respiração à tua cara.  Uma respiração quente e pesada.
O teu coração dispara alarmado, abres os olhos, engoles em seco.
Quando te atreves a olhar vês a lâmina afiada de uma faca pronta a atacar-te. Mas antes que possas gritar, sentes uma pancada forte na nuca e desmaias.
Quando recuperas os sentidos não te consegues mexer, não consegues pedir socorro, não consegues ver. Estás amarrado a uma cadeira, vendado e com a boca tapada.
Só consegues ouvir passos de um lado para o outro, da esquerda para a direita. Até que os passos param e o silêncio volta.
Tu desejas que seja apenas um pesadelo e que acordes mas, nesse momento sentes algo frio tocar-te na orelha direita. Algo frio e afiado... E sentes dor.
Um pequeno corte, um arranhão na orelha. Mas o medo faz com que a dor seja gigante.
Voltas a ouvir os passos de um lado para o outro, da direita para a esquerda.
Sentes o sangue do corte pingar e cair-te no pescoço.
Os passos voltam a parar e sentes alguém tocar-te na mão.  Uma pele perturbadoramente macia toca em cada um dos teus dedos da mão esquerda.
E a voltar a tocá-los no sentido inverso. Acaricia-os como se estivesse a escolher.
A mão pára no teu mindinho. Toca-te na unha e voltas a sentir o toque gelado da lâmina no teu dedo. Tentas mover a mão mas está bem fixa. Sentes a ponta da lâmina começar a espetar no teu dedo.
Primeiro sentes como se fosse apenas uma picada, depois a força aumenta e a dor torna-se maior.
O pânico apodera-se do teu sistema nervoso. As lágrimas começam a cair dos teus olhos.
A lâmina pára…mas apenas para se dirigir à tua cara e tocar nas lágrimas que te caiem pela face.
Uma a uma, a faca toca em todas.
Sentes o medo começar a consumir-te.
A faca afasta-se e voltas a ouvir os passos.  De um lado para o outro, até voltarem a parar.
Sentes que estão mesmo à tua frente.
Começas a sentir picadas nos joelhos. Parecem picadas de insetos.
Uma, duas, três, quatro...as picadas aumentam, quase em simultâneo e cada picada é dada com mais força que a anterior.
Pensas como é possível uma faca dar picadas tão minúsculas ao mesmo tempo, em vários pontos e com tanta dor. Tentas gritar mas é inútil.
De repente tudo pára.
Não ouves passos, não sentes ninguém perto de ti.
Apenas sentes a dor e o medo.
Os minutos passam no que se pode chamar de um silêncio assustador.
O teu coração bate descompassadamente. Tentas acalmar-te.
Passados uns minutos sentes-te mais calmo mas manténs-te alerta.
“Foi-se embora. Foi tudo um sonho” pensas tu, até que uma faca te rasga a tshirt ao meio e, no instante seguinte, está encostada ao teu peito mesmo na direção do coração.
Sentes a faca traçar um caminho sinuoso no teu peito.
Volta a parar com a ponta afiada apontada ao teu coração.
Tremes de medo, o suor escorre pelo teu corpo, o pânico apodera-se de ti.
Subitamente, deixas de sentir a faca contra o teu peito e começas a sentir, de novo, a pele perturbadoramente macia a tocar-te.
Sentes dedos tocarem-te no peito.
Como pode um toque tão suave ter o poder de causar um medo enlouquecedor?
Consegues perceber que apesar da pele que te toca estar quente, os dedos estão frios e humedecidos.
Percebes que não te toca ao acaso.  É como se desenhasse ou escrevesse algo no teu peito.
Uma dedada forte em direção ao teu coração e parou.
Voltas a ouvir os passos mas desta vez à toda a tua volta.  Param.
Novamente o silêncio e, quando menos esperas, sentes uma respiração quente na nuca.
Uma breve risada maléfica que te arrepia a espinha e um golpe lancinante.
Sentes a faca espetar e rasgar a pele nas tuas costas, a dor invadir todo o teu corpo, as lágrimas explodirem nos teus olhos.
Queres gritar, queres fugir, queres que pare.  Mas continua, corte após corte, dor após dor.
Tortura pura e crua.
Sentes o sangue escorrer pelas tuas costas, sentes tudo o que não queres e, quando pensas que não aguentas mais e que não vais sentir mais nada, pára.
Atordoado ouves os passos.
Sentes que está de novo frente a frente contigo.
Faz algo com a faca mas já não te magoa. Também, já não sabes se será possível sentir mais dor.
Os passos afastam-se.  Ouves a porta do quarto fechar e…o silêncio.
Apenas se ouve o bater do teu coração prestes a explodir.
Estás a perder as forças.
Num último esforço tentas libertar-te, o que acontece com facilidade pois apercebeste de que te cortou as cordas antes de te abandonar.
Cais no chão e sentes a dor em todo o teu corpo.
Com dificuldade arrancas a fita que te impossibilitava de gritar e puxas a venda que te impedia de ver.
Expiras.
Não consegues distinguir nada do que te rodeia, tens a visão desfocada pela dor atroz que te consome.
Não tens mais forças. Desmaias.
Quando voltas a despertar sentes apenas dor e dormência por todo o teu corpo.
Não sabes que dia é, não sabes quanto tempo se passou.
Sentes-te perdido, sem certeza do que te aconteceu.
Talvez tenha sido um pesadelo mas a dor…a dor é tão real.
Sentas-te no chão.
Quando finalmente percebes com nitidez o que te rodeia entendes que não foi um sonho.
O sangue já seco está no chão em teu redor, a dor continua em ti devorando-te cada músculo, as cordas cortadas estão emaranhas no chão…
Foi tudo real.
Começas a sentir o pânico e o medo a tentarem apoderar-se do teu corpo, até que reparas que em cima da cadeira está algo.
A custo tentas rastejar mas fortes picadas nos joelhos fazem-te gritar de dor e cair de lado.
Deitado no chão olhas para baixo e vês agulhas espetadas nos teus joelhos.
Ficas alarmado. Tentas tirá-las. Puxas e sentes a dor.
Não podes desistir.
Consegues retirar quase todas as agulhas. Um formigueiro percorre-te as pernas.
Voltas a olhar para a cadeira e para o objeto nela.
Arrastas o teu corpo dorido até lá. Cada centímetro percorrido provoca-te mais dor.
Enquanto estiveste inconsciente o teu torturador voltou e deixou-te algo.
Quando alcanças a cadeira estendes a mão e agarras no objeto.
Um espelho. Vira-lo para ti e observas a tua cara.  Estás pálido, suado, assustado.
Vês o corte na orelha.  Tens manchas de sangue na cara e pelo pescoço.
Lembraste do toque de dedos no teu peito. Baixas o espelho para veres.
“Dor” está escrito no teu peito a vermelho sangue, com uma cruz no sítio do teu coração.
Será tinta? Será sangue? Será o teu sangue?
O teu coração dispara e começa a bater forte, fazendo-te respirar fundo como forma de acalmares.
Ao inspirares sentes uma terrível dor nas costas que te faz lançar um grunhido de dor. Lembraste da faca, dos cortes, da dor. Ficas ainda mais apavorado.
Com esforço tentas ver as costas no espelho. Distingues alguns “i’s”…talvez uns “o’s”… “Isto…”. Tentas compreender o resto, juntar as letras, formar palavras.
Quando consegues, um arrepio percorre-te o corpo fazendo a dor alastrar.
Deixas o espelho cair no chão, partindo-se em dezenas de pedaços brilhantes que refletem o teu rosto aterrorizado.
"Isto é só o início..."

FIM?

costas

15 comentários :

  1. Tu tens tanto jeito para estes textos. Adorei.

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  2. Arrepiante e assustador, capaz de colocar-nos na cena. Adorei. :)

    Beijinhos!

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    1. Obrigada Ana!
      Era mesmo essa a minha intenção: que o leitor sentisse que era a personagem. :D
      Beijinho

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  3. Que textão meu deus! Fiquei numa angustia, o que é bom! Adorei querida <3

    Beijinhos

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    1. Obrigada!
      A minha intenção era mesmo que o leitor se sentisse na pele da personagem...eheheh
      Beijinhos <3

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  4. Muito, muito real! Foi como se sentisse a tua descrição na minha pele. Parabéns.

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  5. Amei :D

    submersa-em-palavras.blogspot.com.br

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  6. Que texto lindo, amei <33
    Parabéns pelo blog, já estou seguindo para poder acompanhar as novidades

    www.papomoleca.com.br

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  7. Brutal! a forma como escreves...faz-me querer ler mais e mais, parabéns linda!

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